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30 de 04 de 2022, 08:50

Diário

Praça D. Duarte, de feira a zona de animação noturna

À exceção do espaço vazio que, atualmente, serve de palco para esplanadas mesmo em frente ao ‘Passeio dos Cónegos’, nesta altura, os edifícios que circundam a praça estavam repletos de comércio

Praça D. Duarte

Juntamente com o Adro da Sé, a Praça Dom Duarte é considerada uma das mais antigas e emblemáticas zonas da cidade de Viseu. No decorrer dos anos, a praça sofreu inúmeras alterações, desde o nome da figura que a batiza, à sua composição estrutural e ambiental.

Recuemos, então, até ao final do século XIX. A atual ‘Praça Dom Duarte’, reconhecida pela ilustre estátua de El-Rei Dom Duarte, foi inicialmente apelidada como ‘Praça Luís de Camões’.

À exceção do espaço vazio que, atualmente, serve de palco para esplanadas mesmo em frente ao ‘Passeio dos Cónegos’, nesta altura, os edifícios que circundam a praça estavam repletos de comércio.

Esta praça estaria coberta, inicialmente, de calçada romana, ainda sem estátua ou qualquer tipo de alusão a uma personalidade, apenas amplamente vazia.

Os edifícios que abarcavam o comércio, eram também utilizados como habitação nos andares de cima.

“Vizinhas e vizinhos conheciam-se e cumprimentavam-se, era como uma pequena comunidade”, diz-nos uma transeunte, a partir das memórias da sua avó, que pela praça passava.

Dando vida ao seu nome inicial, o busto de Luís de Camões, sob um enorme pilar, é inaugurado, no século seguinte, em 1913. A par dos diversos registos fotográficos da época, José de Almeida e Silva, natural de Viseu, criou uma aguarela que representa a praça de então, sendo que ainda hoje faz parte da coleção do Museu Nacional Grão Vasco.

A Praça Dom Duarte, nesta altura, também continha imensas árvores que, para muitos, nunca deveriam ter sido retiradas.
“Aqui existia o verdadeiro equilíbrio entre a natureza e o espaço, é uma pena terem tirado daqui as árvores”, diz a transeunte.

E foi neste quadro que, durante todas as terças, a feira semanal tomou lugar. “A primeira feira semanal de Viseu era efetuada aqui na praça, na zona nevrálgica da cidade”, começa por contar José Oliveira, da casa dos antiquários.

“Tinha tendeiros a vender tudo. No Largo Pintor Gata era onde estavam os ferreiros e onde se vendiam as ervas que vinham das aldeias. Nessa altura, não haviam pacotes de chás nas farmácias e as ‘velhotas’ traziam as ervas nas mantas. Já aqui na praça, era fazendas (animais) e coisas assim do género, até existiam argolas próprias para prenderem os cavalos”, conta.

Em 1955, o busto de Camões foi removido, ocupando o Parque da Cidade, e substituído pela estátua atual, do Rei Dom Duarte, uma obra realizada por Álvaro de Brée. Esta mudança levou à alteração do próprio nome para o que conhecemos hoje.

Mudanças, do dia para a noite

De saudade ao peito, José Oliveira, da casa de antiquários ‘ViAntiga’, e João Pereira, um transeunte da praça, revelam que sentem falta do movimento diurno, recordando antigos moradores da praça que, de janela em janela, falavam uns com os outros e enchiam as ruas ‘de vida’, bem como pessoas que por ali passavam devido ao tipo de comércio.

“Faz muita falta o movimento das pessoas. As lojas que existiam foram sendo substituídas pelos cafés e bares, o que fez com que o centro histórico ficasse desertificado”, começa por dizer José Oliveira. “Não há políticas de investimento da própria autarquia, as casas são recuperadas e depois não são habitadas. Contam-se pelos dedos quem cá mora”.

“Tudo isto é recente (os bares e cafés). Tem tudo uma média de 10 a 15 anos. Antigamente, era tudo comércio e era aqui que se concentravam os armazéns de miudezas, roupas, malhas, lãs… Na década de 80’ até 90’, havia nesta praça cerca de três armazéns de confeções”, conta João Pereira. “A vinda das pessoas ao centro histórico, nessa altura, provinha do abastecimento nestes armazéns”.

João Pereira recorda ainda os diversos tipos de negócio que ocupavam o lugar que agora pertence aos cafés e bares, relembrando ainda, e com pesar, a feira semanal.

“Eram mercearias, talhos, louceiros que vendiam loiças de barro preto e barro vermelho, um de Molelos (Tondela) e outro de Mortágua”, diz. “Na praça Dom Duarte não existia nenhum café nem tavernas, mas sim nas ruas que vêm embocar a praça”, completa.

“A nossa feira era feita aqui, desde as oito da manhã às oito da noite. Havia imensa gente, trocas e era tudo feito com imensa alegria”.

Assume também o desgosto que sente pela transformação que a praça sofreu, considerando que, agora, apenas existe vida durante a noite.

“É uma pena a praça Dom Duarte estar conforme está. Acaba por ter vida às sextas, sábados e domingos à noite, tendo em conta que os bares fecham às duas da madrugada”, diz. “Durante o dia, nós é que acendemos as luzes, nós é que damos vida, nós é que falamos uns com os outros porque, se não, isto estaria completamente ‘morto’”, completa.



Relativamente aos comerciantes, tal como acontece com os moradores, João Pereira também acredita que acabam por ser, de alguma forma, lesados pelo facto de não terem estacionamento próprio.

À procura de uma nova luz e uma nova vida diurna, os comerciantes apelaram, também, ao regresso do projeto Jardins Efémeros (festival de artes multidisciplinar) que tem acontecido neste centro histórico. “Atrai imensas pessoas e outros turistas ao centro histórico para verem o que é feito e realizado aqui em Viseu”, dizem os nossos interlocutores em concordância.

A figura por trás do nome

Intimamente relacionado com a cidade de Viseu, segundo lendas populares, El-rei Dom Duarte - décimo primeiro rei de Portugal e segundo rei da dinastia de Avis - terá nascido a 31 de outubro de 1391, numa das artérias que estabelecem ligação com a praça, nomeadamente no edifício, comummente conhecido como ‘a janela manuelina’, que se encontra atualmente em obras na ‘Rua D. Duarte’.

Ainda o seu pai, D. João I, era vivo quando começou a governar, integrando-se na administração do reino, em 1412.


Por ter sido uma personalidade culta e ligada às letras, com um extenso conhecimento a respeito dos autores clássicos e dos doutores da Igreja, ficou conhecido como ‘O Eloquente’, tendo escrito, ainda, algumas obras como ‘A Arte de Bem Cavalgar Toda a Sela’.

Casou com D. Leonor de Aragão, neta de D. João I de Castela, e juntos tiveram nove filhos, tendo dedicado à rainha uma obra literária. O próprio deixou ainda, em testamento, a regência do reino à sua mulher, uma medida que não foi aceite pelo povo.

Curiosidade: D. João I, como forma de agradecimento à cidade que viu nascer o seu filho, decidiu engrandecer as gentes da terra ao atribuir-lhes a carta de feira - hoje conhecida como a Feira de São Mateus.