Autor

Joaquim Alexandre Rodrigues

05 de 03 de 2022, 08:53

Colunistas

A graça do nascimento tardio e os eurodeputados 'do sr. Putin'

O rearmamento alemão. Os (neo)comunistas, os fascistas e os nacionalistas do parlamento europeu

1. Há um antes e um depois do dia 24 de Fevereiro de 2022, a data infame em que Vladimir Putin invadiu a Ucrânia.
Dentro de nós, um turbilhão de sentimentos, uma pulsão para tentar ajudar as vítimas, uma repulsa perante os agressores. Este sobressalto moral das opiniões públicas — que foi impulsionado pela bravura dos ucranianos e do seu presidente, Volodymyr Zelensky — obrigou os governos ocidentais a unirem-se e a reagirem ao bárbaro que se senta à cabeceira daquela mesa ridícula do Kremlin.
O sr. Putin deixou de ter acesso a 600 mil milhões de dólares que tinha empilhado fora do seu país — esses fundos hão-de dar jeito para ajudar a pagar a reconstrução da Ucrânia.
O sr. Putin julgava que tinha metido a Alemanha no bolso. Enganou-se. O Nord Stream 2 está kaput. A Alemanha vai investir como nunca em músculo militar, tinha orçamentados 50,9 mil milhões de euros (1,5% do PIB) para este ano, vai investir 100 mil milhões (2,8% do PIB). Esta inflexão sem paralelo conta com o apoio dos alemães e dos europeus.
Aqui chegados, importa reflectir sobre esta viragem. A Alemanha, depois do pesadelo nazi, optou pelo pacifismo, nunca quis ter umas forças armadas correspondentes à sua dimensão económica e apostou tudo na integração europeia.
Aliás, o projecto europeu iniciou-se, nos anos de 1950, exactamente porque ainda estava bem viva a memória da guerra e a ameaça soviética. Depois, com o correr do tempo e a substituição das gerações, os horrores da guerra e das ditaduras comunistas foram esquecendo e a “Europa” julgou que já não tinha inimigos. Essas duas amnésias pariram o Brexit e deram gás a partidos extremistas, de direita e de esquerda, uns e outros apoiados por Putin.
Numa semana mudou tudo. A guerra da Ucrânia veio unir de novo os europeus. Pela primeira vez depois de 1945 há um país a invadir outro no continente europeu. A Europa sabe outra vez o que é a guerra e sabe que tem um inimigo.
Quando se deu a unificação alemã, o chanceler Helmut Kohl falou da “graça do nascimento tardio”. Queria ele dizer que quem nasceu depois de 1945 não tinha nada a ver com Auschwitz. De facto, na altura já havia poucos, agora não há nenhum alemão que possa ser acusado disso.
É por tudo isto que, perante a ameaça russa, não houve oposição ao rearmamento germânico anunciado esta semana, apesar de todas as ressonâncias históricas, apesar de todos os fantasmas.


2. No início de Fevereiro, a comissão europeia solicitou ao parlamento europeu que aprovasse uma ajuda à Ucrânia de 1,2 mil milhões de euros para, cito a proposta, “reforçar a estabilidade macroeconómica e a resiliência geral da Ucrânia no contexto criado pelo forte aumento da incerteza geopolítica e o seu impacto na situação económica”. Traduzindo este “europês”: como o sr. Putin pôs a rufar os tambores da guerra, ajudemos os ucranianos.
O parlamento europeu, por esmagadora maioria, percebeu o que estava em causa. A proposta foi a votos a 16 de Fevereiro, 8 dias antes da invasão, e foi aprovada com 598 votos a favor, 55 contra e 41 abstenções.
Entre os votos contra, Sandra Pereira e João Pimenta Lopes, do PCP, mais 53 “paralamentares” de extrema-esquerda e de extrema-direita.
Entre os abstencionistas, Marisa Matias e José Gusmão, do Bloco de Esquerda, mais 39 “paralamentares” de extrema-esquerda e de extrema-direita.
Comunistas, neo-comunistas, fascistas, nacionalistas, estão bem uns para os outros. Uns idiotas úteis do sr. Putin. Nas próximas eleições europeias, em 2024, os eleitorados dos vários países cá estarão para lembrar esta aleivosia.