Autor

Joaquim Alexandre Rodrigues

06 de 11 de 2021, 08:41

Colunistas

O martírio de Izabel e o arrependimento de Louçã e Abrantes

Uma aberração jurídica na Polónia, um torcer de orelha em Portugal




1. Izabel trabalhava num salão de cabeleireiro em Pszczyna, uma pequena cidade do sul da Polónia. Nos seus trinta anos de vida brincou, sonhou como toda a gente no que-vou-ser-quando-for-grande, cresceu, estudou, casou aos vinte, teve uma menina que agora tem nove anos e a quem os pais queriam dar um irmão ou uma irmã, isso era igual.
Já em 2021, neste segundo ano da peste, Izabel ficou grávida, uma gravidez desejada, cheia de esperança e amor. Eis senão quando, em Setembro, na vigésima segunda semana de gravidez, houve um rompimento de membranas, perda de líquido amniótico, uma ida de urgência para o hospital.

Aí, apesar do feto apresentar anomalias evidentes, os médicos não fizeram imediatamente o aborto com medo de serem perseguidos pela justiça. É que, na Polónia, desde o início deste ano, quem executar um aborto daquele tipo arrisca três anos de cadeia. Resultado: aquele tempo de espera pela morte do feto fez com que Izabel soçobrasse a uma septicemia.
Esta tragédia aconteceu porque o “Tribunal” Constitucional daquele país criminalizou o aborto por malformação do feto, afirmando que é “eugenia”, é “negação do respeito pela dignidade humana”.

Lembre-se que aquele órgão de cúpula do poder judicial polaco é tudo menos um tribunal independente do poder político. Pelo contrário, ele é constituído por capachos do partido de Lei e Justiça (PiS), no poder, e é presidido por uma amiga de longa data de Jaroslaw Kaczynski, o líder supremo daquela seita ultradireitista.
Esta aberração jurídica — há muito desejada pelo PiS e há muito evitada na rua pelos movimentos de cidadãos — foi consumada pela calada, em plena pandemia, quando as restrições sanitárias não deixavam o povo manifestar-se.

Esta semana, no dia 1 de Novembro, milhares de mulheres e homens vieram para as ruas gritar um “Nunca Mais!” a esta barbárie perpetrada por bárbaros de terço na mão. Uns hipócritas que, quando as suas mulheres ou as suas filhas têm uma gravidez indesejada, vão à Chéquia ou à Eslováquia resolver o “problema”.

2. No Conselho de Estado desta semana, o “televangelista” Francisco Louçã e o “soviético” Domingos Abrantes foram os únicos conselheiros a declararem-se contra a dissolução do parlamento.
Dá para perceber que, agora, o bloco e o PCP estão com medo de ouvir o povo, que estão arrependidos da asneira que fizeram. E têm boas razões para torcerem a orelha. É que nem precisavam de ter votado a favor do orçamento. Bastava terem-se abstido. Mas preferiram dar um tiro no pé, preferiram dar já um grupo parlamentar a André Ventura. Não têm perdão.