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Antes de começarmos, um suspiro. Daqueles pesados que nos deixam o peito calejado. Segue-se outro ainda mais pesado. E aí António Ferreira começou: “ser militar da GNR sempre foi um projeto da minha vida. Não segui esta profissão por falta de opção, não. Esta foi a minha opção. Esta era a minha profissão e agora tenho muita dificuldade em olhar para a farda. Não sei mesmo se conseguirei a voltar a vestir a farda. Pelo menos bani completamente os animais de capoeira da minha alimentação. Afinal de contas, fui salvo por um canto de um galo”. É a última frase do seu livro “O Canto do Galo”. São mais de 90 páginas enrugadas sobre a noite de 11 de outubro de 2017, em que Pedro Dias, o conhecido assassino de Aguiar da Beira, matou três pessoas. Deixou apenas um sobrevivente para contar a história.
Quando o ouvimos a soltar as primeiras palavras, adivinhamos rapidamente o ambiente que está prestes a instalar-se. Por breves segundos, a expressão inquieta que se instala no rosto de António Ferreira faz-nos estremecer. Contou-nos a história “daquela noite”. Sempre com o olhar humedecido e as mãos a acompanhar. “Estávamos de patrulha no dia 11 de outubro. Fomos lá ao hotel, normalmente, havia lá muitos incêndios em torno desse hotel e estávamos numa patrulha normal. Estava lá uma carrinha, abordámos a carrinha e foram feitas aquelas perguntas de rotina, pedido os documentos de rotina”, começou por nos dizer.
E daí para a frente a história desenrolou-se por si só: “Estávamos a ter uma conversa normal e, de um momento para o outro, há um barulho atrás da gente. Eu virei-me, o Caetano também se deve ter virado, de certeza. Quando me virei para a frente já estava a apontar a arma para o Caetano, dispara sobre o Caetano, cai e depois virou a arma logo a seguir para mim”, acrescentou. E, nesse momento, o corpo isola-se e deixa de ter reação. “Estás a tentar comandar o teu cérebro e o teu cérebro não obedece”, suspirou, com os dentes prestes a cerrar.
A respiração acelerada do guarda Ferreira, de repente, suspendeu. Percebemos que o pesadelo começara nesse preciso instante. “Ele obrigou-me a pôr o Caetano na bagageira do carro. Disse-lhe várias vezes ‘vai-te embora, desaparece daqui, leva o que quiseres’. Ele só me dizia se queria morrer”, lançou como uma farpa que nos ultrapassa. A certa altura, os cenários de uma serra enegrecida pela escuridão da noite aproximaram-se. “Leva-me para um ermo, manda-me algemar a um pinheiro e ao mesmo tempo o pé esquerdo apanhou ali um bocado de terra mais solta, abaixou um bocado e ouço um estalo no ouvido. Disse cá para mim, já fui”, contou, cabisbaixo.
Sentiu a bala a encravar-se na cabeça. A visão deturpou e o corpo começou a descair para o chão. As tentativas de se agarrar a algo firme escaparam-lhe das mãos. Os olhos cerraram-se e o rosto desabou perante a serra. Mas, as sensações persistiram. “Ele arrasta-me para um sítio mais baixo, começa a tapar-me com vegetação, giestas e pedras. Ali desmaiei”, disse. Quando acordou, o carro onde seguia Pedro Dias já estaria longe. Foram precisos alguns minutos até recuperar a consciências e conseguir levantar-se para tentar pedir auxílio. Teve a sensação de ter sangue a cobrir-lhe parte do rosto. “Enrolei o pólo à cabeça para ver se estancava e depois andei ali perdido, ou seja, o carro supostamente foi para cima e eu andei para baixo, só que andei ali tempo infinito pedido na serra”, estremeceu.
Muitos foram os trajetos que tentou seguir, as recaídas que teve e as horas que vagueou entre pinheiros. Andou mais de dois quilómetros confuso e desorientado até encontrar o que o guiaria até à sobrevivência. Perto do amanhecer, “ouço um canto de um galo e através do canto do galo é que fui seguindo mais ou menos. Conforme o galo cantava eu seguia”, revelou, sem esquecer que “o galo guiou-me mesmo até à vida”. Acabou por encontrar uma estrada de alcatrão que o levou até à casa de um colega do posto da GNR, o guarda Santos. Assim que lhe abriu a porta, só ganhou forças para pedir ajuda e para “tentarem localizar o carro para saber do Caetano”.
António Ferreira ainda estremece quando verbaliza aquela noite. A verdade é que muitas versões foram contadas. E, por isso, o ex-GNR escreveu um livro “O Canto do Galo” para contar tudo o que aconteceu a 11 de outubro de 2017. “Havia muita especulação na comunicação social. Aqui, estão mesmo os pormenores do que aconteceu naquela noite. Quem já o leu, por um lado, já me disse que gostou e, por outro lado sentem imensa pena da história em si”, explicou.
Além disso, “o Canto do Galo é uma forma de homenagear os animais de capoeira, visto que fui salvo por um galo e o único sobrevivente daquela noite”, rematou.