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“Estão confortáveis com o tom? Atenção ao “ai” no início. O refrão quer-se mais aprimorado”. É António Neves quem orienta os cerca de quarenta participantes que, todas as terças-feiras, desde maio, ensaiam nas instalações do Centro Social de Orgens para o espetáculo do Desfile Nacional do Traje Popular Português, que vai decorrer em Viseu, a 21 de setembro. Nada pode falhar na tocata que vai dirigir mais de mil participantes no maior encontro nacional dedicado ao folclore. Os dizeres populares têm de estar na ponta da língua e dos dedos, de quem canta e de quem toca. “Cantem a imaginar que estão a caminhar. É uma cantiga de abrir caminho, que cantavam antes e depois do trabalho. Tem movimento. Imaginem-no”, apela Miguel Almeida, um dos mais entendidos de folclore da região. E o grupo imagina o movimento e segue para a próxima canção. No fim, ajusta-se o que há a ajustar e o cancioneiro avança. Folha por folha, as páginas do pequeno livro que cada um tem na mão vão sendo percorridas. O solista – assim se chama quem agarra no microfone e dá o mote para a canção – começa a cantar e o grupo continua a deixa. As noites estão quentes e a água ajuda a afinar a voz.
Paulo Morais tem coordenado a tocata desde o primeiro dia e confessa sentir que a evolução tem sido assinalável. “Estão aqui seis grupos de folclore do concelho de Viseu. Apesar de as cantigas serem conhecidas, em cada grupo há ligeiras nuances. É preciso uniformizar. Além disso são quarenta temas. É muita coisa. Temos de ter muitos ensaios”, sublinha. E os ensaios decorrem. Este é mais um.
Cultura tradicional é a base da nossa identidade, defende coordenador da tocata
A logística tem sido garantida pelo Centro Social de Orgens. E um dos rostos deste grupo folclórico, António Neves, garante que ali reina o orgulho. “Quantos não gostariam de ser anfitriões? É um privilégio e agradecemos às pessoas que se lembraram de nós”, enfatiza. António Neves é, por norma, quem lança os temas durante as atuações do rancho. Agora, na tocata, assume outro papel. “Encarregaram-me de diretor da orquestra”, diz, soltando uma gargalhada. “Diria que sou um maestro sem batuta. Tenho de estar a ouvir as vozes e os instrumentos. Recebo ordens de um lado e de outro”, explica.
Para o responsável, o que custa é o arranque porque há diferentes modos de cantar as mesmas modas. “Na música popular é o ouvido quem comanda e uma pessoa ouve de uma maneira, outra, de outra. E há que entrar numa linha de harmonia em que todos cantam o mesmo”, afiança.
Enquanto o grupo ensaia, Paulo Morais continua atento a cada acorde. No fundo, durante mais de duas horas, o foco está só na tocata. “Move-nos o amor à causa. Queremos a preservação e divulgação da cultura tradicional e popular portuguesa. Entendo que para conhecermos o presente e projetarmos o futuro temos de conhecer o nosso passado. E o folclore é uma pesquisa, recolha e divulgação. É a nossa base”, sublinha, lembrando que pertence há quarenta anos ao Grupo Folclórico e Etnográfico de Vila Nova à Coelheira, de Vila Nova de Paiva.
Quando o desafiamos a antecipar o que lhe passará no pensamento quando a tocata terminar, Paulo Morais garante que se tudo correr bem, “é Viseu quem ganha”. “Estas pessoas merecem que tudo corra bem, por todo o esforço que estão a mostrar”, enfatiza.
São Mateus vai ‘abençoar’ mais de mil apaixonados pelo folclore
Miguel Almeida é, por estes dias, um homem ocupado e assume-se orgulhoso por tudo o quem visto a tocata fazer nos ensaios. O coordenador do Conselho Técnico da Federação do Folclore Português, lembra que Viseu vai ter no feriado municipal do concelho, dia de São Mateus, o “grande evento da Federação do Folclore Português”. “Nesse movimento folclórico cerca de 1200 personagens vão vestir os trajes que caracterizam as áreas etnográficas do nosso país. Portugal é muito pequeno, mas tem diferenças abismais. Será um desfile com mais de mil pessoas que vão ser acompanhadas com uma tocata típica constituída por vários elementos dos grupos de folclore de Viseu”, explica.
Para que tudo se processasse, a Federação convocou os ranchos folclóricos do concelho de Viseu para criarem uma espécie de banda sonora que vai acompanhar o desfile. Do palco da Feira de São Mateus e ao longo da avenida do Picadeiro – que fica de fronte do palco – um milhar de pessoas vai trajar a rigor para mostrar os diferentes tons e feitios na forma de vestir de todas as regiões do território português. Cada grupo que chega a Viseu trará no máximo oito elementos que se vão encaixar em quadros. “Começamos com a infância, com a mãe a embalar a criança, mas também vamos ter quadros relativos à pastorícia. O que eu fiz foi selecionar as cantigas que os grupos da nossa área geográfica cantam para enquadrar nos quadros que vão ser apresentados. Temos quadros de mar e rio, também. Lavradores abastados, trajes de ir à missa…”, detalha Miguel Almeida.
Para a tocata, houve que fazer um filtro. Definiram-se os instrumentos musicais que era obrigatório ter. E depois, os grupos organizaram-se. Há de tudo. Acordeão, violinos, bandolins, ferrinhos, violas… E para que este seja um acontecimento “de arromba”, nas palavras de Miguel Almeida, tudo está a ser preparado ao detalhe. “O linguajar do povo tem de ser respeitado”, atira. Como o folclore é também, e sobretudo, memória, Miguel Almeida lembra que o desfile “acaba por vir na sequência também acaba por vir na sequência do êxito da Europeade”. “Posso garantir-vos que, por exemplo, quando decorreu na Sardenha, em Itália, não teve o êxito que teve em Viseu. Viseu é uma cidade hospitaleira, que sabe receber de braços abertos. Somos embaixadores na hospitalidade”, concretiza.
“Viseu tem uma imagem de marca no folclore”, frisa Miguel Almeida
Mas nem só na ‘arte’ da hospitalidade, Miguel Almeida coloca Viseu no topo. Aquele que é considerado um dos mais conhecedores da etnografia na região, assegura que Viseu tem, nas ‘fileiras folclóricas’ grupos de referência. “Ando há muitos anos nestas andanças, tenho apresentado vários festivais a nível nacional e sou coordenador dos conselhos técnicos há já muito tempo. E assumo aquilo que digo. Viseu tem grupos de qualidade. Qualidade no sentido de autenticidade e verdade. Viseu tem isso: tem uma imagem de marca a defender e vai fazê-lo”, refere.
Do que tem visto, Miguel Almeida tem vindo muita juventude no folclore. “Enquanto houver crianças nos grupos, eles vão avançar com certeza. Debaixo daqueles trajes do povo de antigamente, há muita gente com elevado grau académico. Um povo que não tem memória, não tem futuro”, vinca.
Miguel Almeida assinala que a paixão pelo folclore começou quando apresentou pela primeira vez um festival de folclore na Feira de São Mateus. “Comecei a gostar e pronto. No meio do folclore costumamos dizer que ou somos vacinados e não entramos, ou não somos vacinados e ficamos. Eu não fui vacinado, entrei nisto e cá continuo. E todos os dias aprendo. O folclore não se esgota”, garante.
A vereadora da Cultura na Câmara de Viseu, Leonor Barata, assegura que não mais vai esquecer o dia 21 de setembro de 2023. Foi nessa data que o município organizou um desfile com os grupos folclóricos do concelho. “Percebemos aí que, para além da tradição local ser muitíssimo rica, se calhar podíamos ser mais ambiciosos e trazer a Viseu este que é o maior desfile nacional”, conta a autarca.
Seguiu-se o contacto para a Federação do Folclore Português e o desfile vai mesmo acontecer. Leonor Barata aplaude o esforço da tocata e sustenta que “a Cultura é um lugar de encontros”. “A cultura tem sempre presente a ideia de incluir e transformar quem participa. As práticas etnográficas têm também muito esta ideia de encontro, partilha e comunidade. É uma forma de perceber que as nossas tradições locais têm eco a nível nacional”, avança.
“Cultura é cola que une a comunidade”, assinala vereadora
A responsável pelo pelouro da Cultura na Câmara de Viseu lembra a formação em dança para demonstrar que a ligação com o folclore não é de hoje. “Nos meus espetáculos cruzava muito a etnografia com a dança contemporânea. Sou uma fascinada pela etnografia”, evidencia.
Leonor Barata entende que a etnografia é como que uma “cola que une a comunidade”. “São as tradições populares que nos formam enquanto conjunto. Aprendemos muito sobre nós a observar estas práticas, estando perto de pessoas que são referências e que estudam isto como Miguel Almeida ou o Lopes Pires. Eu em relação ao folclore sou uma apaixonada”, confessa.
Lídia Figueiredo, do Rancho Folclórico do Caçador, é a última solista da noite. “À beira do rio nascem violetas ao comprido. Já me vieram dizer que querias casar comigo. Eu casar contigo, caso, mas por ora ainda não. Amanhã por esta hora, te direi se sim, ou não”. O ensaio está a terminar e por Orgens todos confiam que o casamento vá ter final feliz.