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Desde há umas semanas que despertou em Portugal um novo fascínio por um “herói” microscópico conhecido como bacteriófago, ou simplesmente fago. Uma peça de reportagem emitida em horário nobre na televisão portuguesa apresentou os avanços que médicos e investigadores (particularmente da Universidade do Minho) têm feito com recurso a fagos como alternativa aos fármacos convencionais para mitigar o problema da resistência aos antibióticos. Estes vírus minúsculos, invisíveis a olho nu, estão rapidamente a ganhar reconhecimento pelas suas notáveis aplicações na medicina, na agricultura e nas práticas veterinárias.
Os fagos são vírus de reduzidas dimensões que infetam especificamente as bactérias, cuja descoberta data de 1915 por Frederick William Twort e Félix d’Hérelle, que de forma independente mostraram a existência dos fagos e suas potenciais aplicações. São frequentemente descritos como “comedores de bactérias” porque se fixam às bactérias injetando nelas o seu material genético e assumindo assim o controlo da bactéria, forçando-a a produzir mais cópias do vírus. Eventualmente, as bactérias infetadas rebentam, libertando novos fagos para infetar mais bactérias, prorrogando assim a sua existência. Os fagos podem ser encontrados ubiquamente em vários ambientes, tais como a água, o solo e até o nosso corpo, onde desempenham um papel crucial na manutenção do equilíbrio das populações bacterianas na natureza.
No domínio da medicina, nos últimos anos, os cientistas têm vindo a explorar o potencial dos bacteriófagos como forma de tratar infeções bacterianas, especialmente as causadas por bactérias resistentes aos antibióticos. A resistência aos antibióticos, uma preocupação crescente (tema de uma crónica anterior da minha autoria também neste Jornal), tem tornado cada vez mais difícil o tratamento de certas doenças bacterianas. Os fagos podem infetar e destruir especificamente as bactérias nocivas o que os torna uma alternativa promissora aos antibióticos tradicionais. Esta abordagem específica oferece a vantagem de eliminar seletivamente as bactérias nocivas, deixando as benéficas ilesas. Os fagos podem ser utilizados topicamente ou administrados por via oral e a investigação recente tem demonstrado resultados promissores no tratamento de infeções que, de outra forma, seriam resistentes aos antibióticos. No entanto, é necessária mais investigação para garantir a sua segurança e eficácia antes de se tornarem amplamente disponíveis, particularmente porque ao contrário dos antibióticos cuja concentração no organismo diminui ao longo do tempo, os fagos replicam-se e o potencial de efeitos secundários é ainda desconhecido.
No sector agrícola, os fagos representam uma solução ecológica e amiga do ambiente para combater as doenças das plantas causadas por bactérias nocivas. Em vez de recorrer a pesticidas químicos que podem ter efeitos nefastos nos ecossistemas, os fagos podem ser aplicados diretamente nas plantas ou nas suas imediações para controlar as infeções bacterianas, protegendo assim as culturas e promovendo uma produção mais saudável. Os agricultores estão a explorar a utilização de produtos à base de fagos como um método sustentável para proteger as suas culturas sem deixar resíduos nocivos ou contribuir para o desenvolvimento de estirpes resistentes, com impacto positivo no abrandamento da progressão e transmissão das resistências a antibióticos. De igual forma, uma vez que os alimentos são reservatórios de alguns agentes patogénicos, os fagos têm vindo a ser estudados como agentes de biocontrolo que previnem agentes infeciosos em alimentos e subsequentes doenças de origem alimentar, sem alterar as propriedades organoléticas da comida.
Tal como os fagos são promissores na medicina humana, também têm um enorme potencial nas práticas veterinárias. Os animais podem sofrer de infeções bacterianas, sendo que os fagos oferecem um meio de tratamento direcionado e eficaz. Por exemplo, a terapia com fagos tem mostrado resultados positivos no tratamento de infeções em animais de criação, animais de companhia e até mesmo em espécies aquáticas. Na produção animal, os fagos podem ser administrados através da alimentação ou pulverizados nos animais antes do abate para evitar a contaminação da carne no matadouro. Ao visar especificamente as bactérias nocivas, os fagos podem ajudar a reduzir a necessidade de antibióticos tradicionais, minimizando assim o risco de resistência aos antibióticos (novamente, o ciclo das resistências a antibióticos, aconselho vivamente a leitura da tal crónica). À medida que a investigação neste domínio se expande, aumenta o potencial dos fagos se tornarem uma ferramenta valiosa para salvaguardar a saúde animal e reduzir a dependência dos antibióticos convencionais.
Em suma, a aplicação de fagos na medicina, agricultura e veterinária apresenta uma alternativa promissora na nossa batalha contra as infeções bacterianas. Estes aliados microscópicos oferecem soluções específicas, potencialmente contornando os importantes desafios colocados pela resistência aos antibióticos e pela utilização de pesticidas químicos nefastos para o meio ambiente. Embora seja necessária mais investigação e desenvolvimento para aproveitar todo o seu potencial, assim como enquadramento regulamentar, os fagos são uma promessa imensa para revolucionar estes sectores vitais da sociedade, abrindo caminho para um futuro mais seguro e sustentável.
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