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Fragmentos de um Diário – 21 Outubro 1981

 Fragmentos de um Diário – 21 Outubro 1981 - Jornal do Centro
25.06.22
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 Fragmentos de um Diário – 21 Outubro 1981 - Jornal do Centro

Parabéns, mãe! Embora nem sempre seja fácil a comunicação entre nós, gostamos bem um do outro.
    
Todas as semanas recebo carta da Fátima. Todas as semanas lhe envio uma, que começo a escrever ao domingo e encerro à sexta, quando lha envio.

Temos dois modos diferentes de escrita. Ela conta-me do seu dia-a-dia, e coloca-me algumas questões sobre um ou outro ponto da matéria que estuda, num convite ao diálogo. É um estilo direto, de frases curtas, sem empolamentos. Às vezes, acrescenta numa outra folha um poema de que muito gostou e quer comigo partilhar. Com frequência, são poemas antigos, do tempo de Lisboa, em que eu lhos lia ou dizia, e de que ela não se esqueceu. Comovem-me estas dádivas poéticas. Lembro-me da loucura de escrever, com uma tinta apropriada, na pele do seu corpo, onde calhasse, versos que me fervilhavam na cabeça e escrevê-los no corpo dela era uma forma de os materializar, de os tornar reais. Ela, numa paciência quase maternal, petrificava-se numa postura de estátua deitada, como que em sacrifício ao simbolismo do ato.

As minhas cartas são o contrário, grávidas de palavras, plenas de um sentimento que me incendeia. Pouco lhe relato do quotidiano, são sobretudo compêndios de estados de alma. Escrevo-lhe anatomias do meu amor, desenho-lhe os rios secos do meu vazio existencial.

No fundo, vivo em função das cartas que recebo e das que lhe envio. Raras vezes lhe envio poemas, porque poesia é o conteúdo do que escrevo.
         
Tanto ainda para aprender! Por exemplo: o amor e o ciúme. Não sinto geralmente ciúmes da Fátima. Ele surge o mais das vezes despoletado pelo meu sentimento de culpa, fruto de alguma tentação ou asneira minhas. Imagino a possibilidade contrária. E aí, sim, ocorre o tal ciúme. É fácil definir teoricamente que o ciúme é sobretudo sinónimo de amor-próprio e de fragilidade interior. O ciúme traduz se calhar a assunção do ser amado como posse, como nossa propriedade. Mas ao sentirmos esse lume a incendiar cada célula do corpo, quando ele nos invade e atormenta, despertando a suspeita de cada olhar, de cada gesto, de cada palavra, aí não há teoria que nos conforte.
        
Quanto ao resto, as coisas correm bem. É claro que, exigente e insatisfeito como sou, gostaria de fazer muitas coisas, inventar novos mundos, construir loucuras e ternuras, mas é bom ter presente e respeitar o ritmo próprio da vida. E uma carta da Fátima acalma-me a ansiedade.

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