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Portugal sobressaltou-se neste mês de Abril com a tragédia que se abateu sobre a capital angolana em forma de chuva, onde 24 pessoas (devem ter sido mais, provavelmente bastantes mais…) perderam a vida no desmoronamento de casebres, levadas pelas enxurradas, electrocutadas, atulhadas no entulho de lixo que cobre Luanda há meses.
Foi na madrugada de 19 para 20 de Abril. As horas foram passando ao ritmo de notícias que actualizavam os números da tragédia, milhares de famílias sem casa, estradas levadas, pontes desmoronadas, vídeos às centenas nas redes sociais com imagens chocantes…
Começaram, no dia seguinte, a surgir aquelas coisas à lá Facebook, com o povo mais histriónico a dizer ao mundo que estava seguro, com os amigos a perguntarem se estávamos bem… enfim, uma pinderiquice, uma canseira de mimos e a maravilha de estarmos vivos…
Houve mesmo quem tivesse mostrado grande satisfação por os seus conhecidos, os emigrantes – para os mais simples – ou expatriados – para os mais sofisticados -, afinal, terem sobrevivido ao dilúvio (não foi um dilúvio, foi uma simples chuvada semi-tropical).
E, para quem não sabe, 99% dos imigrantes portugueses em Angola vivem numa bolha de luxo envidraçado imune aos humores da natureza…
Mas não se estava perante nada de novo. Infelizmente. Todos os anos é isto.
Estou em Angola desde 2007, com pequenos intervalos e é isto ano após ano. Morrem os pobres, os mais pobres dos pobres, que vivem nos musseques (bairros de lata absolutamente miseráveis habitados por 5 a 7 milhões de pessoas, ninguém sabe bem) que quase meio século de independência não conseguiu trocar por habitações minimamente decentes… ainda.
Excepto num pequeno pormaior, este ano foi diferente!
Horas depois da tragédia, e quando ainda não se sabia a verdadeira dimensão, quando ainda se pensava que tinham morrido 14 pessoas e não as 24 (números oficiais), de Portugal, da antiga metrópole, chegavam as manifestações de pesar do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e do primeiro-ministro António Costa. Ambas dirigidas ao povo angolano e ao Presidente da República João Lourenço.
Tudo, aparentemente normal, poder-se-ia crer. Não foi, não estava a ser. Porquê? Porque em Luanda, nem o Presidente João Lourenço, nem nenhum dos seus ministros nem a governadora da província de Luanda se tinham, ainda, dirigido ao povo aflito mostrando a sua solidariedade quando Marcelo e Costa já o tinham feito.
Essas palavras de conforto chegaram primeiro de Lisboa, da antiga capital do império, a 7 mil kms de distância, que ali do lado, da Cidade Alta.
E, como seria de esperar, logo as redes sociais se enfonaram de indignação, uns porque até os Marcelo e Costa aparentavam estar mais preocupados e sentidos com a tragedia que as autoridades locais; outros, porque o antigo colono, para quem não tem asas visíveis, estava a esvoaçar em excesso…
Claro que, horas depois, surgiram as notas de condolências e de solidariedade endereçadas às famílias afectadas, primeiro do Presidente João Lourenço, depois pelos seus ministros das pastas sociais, e, por fim, da governadora provincial.
Após esta recompustura, o Presidente angolano agradeceu publicamente ao seu homólogo Marcelo e ao primeiro-ministro Costa pelas suas manifestações solidárias e sentidas.
Não faço adivinhações nem aconselho a prestidigitação, mas lembro-me bem que os gestos oriundos dos antigos senhores coloniais nunca são de leitura rectilínea, são sempre guiadas pela oportunidade de tirar algum proveito.
Pelo menos nas redes sociais já está a acontecer. Já por ali li que os senhores de Lisboa espetaram a agulha da humilhação nas costas do Presidente Lourenço.
Facto: as notas de Marcelo e Costa deram a um problema que se repete com periodicidade anual, ou quase, uma dimensão que não costuma ter. Vejamos quais vão ser as consequências…
Mas vale a pena admitir como possibilidade que Marcelo, o estratega Marcelo, e António Costa, o finíssimo Costa, perante uma circunstância em que Angola se vira, cada vez mais, para Espanha, Itália, Rússia ou EUA em busca de parceiros mais robustos economicamente para se soltar da gravíssima crise económica que atravessa, relegando Portugal, com escasso nervo para o efeito, para uma posição de subalternidade estratégica, tenham procurado consolidar a posição lusa no “coração” dos angolanos mesmo que os outros tenham ganhado vantagem no acesso aos negócios.
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